REFLEXÃO
Uma nação só vive porque pensa. Cogitat ergo est.
A força e a riqueza não bastam para provar que uma nação vive
duma vida que mereça ser glorificada na História - como rijos
músculos num corpo e ouro farto numa bolsa não bastam para que
um homem honre em si a Humanidade.
Um reino de África, com guerreiros incontáveis nas suas aringas
e incontáveis diamantes nas suas colinas, será sempre uma terra
bravia e morta, que, para lucro da Civilização, os civilizados
pisam e retalham tão desassombradamente como se sangra e se
corta a rês bruta para nutrir o animal pensante.
E por outro lado se o Egipto ou Tunis formassem resplandecentes
centros de ciências, de literaturas e de artes, e, através de
uma serena legião de homens geniais, incessantemente educassem o
mundo - nenhuma nação mesmo nesta idade do ferro e de força,
ousaria ocupar como um campo maninho e sem dono esses solos
augustos donde se elevasse, para tornar as almas melhores, o
enxame sublime das idéias e das formas.
Só na verdade o pensamento e a sua criação suprema, a ciência, a
literatura, as artes, dão grandeza aos Povos, atraem para eles
universal reverência e carinho, e, formando dentro deles o
tesouro de verdades e de belezas que o Mundo precisa, os tornam
perante o Mundo sacrossantos.
Que diferença há, realmente, entre
Paris e Chicago? São duas palpitantes e produtivas cidades -
onde os palácios, as instituições, os parques, as riquezas, se
equivalem soberbamente. Porque forma pois Paris um foco
crepitante de Civilização que irresistivelmente fascina a
Humanidade - e porque tem Chicago apenas sobre a terra o valor
de um rude e formidável celeiro onde se procura a farinha e o
grão?
Porque Paris, além dos palácios, das instituições e das riquezas
de que Chicago também justamente se gloria, possui a mais um
grupo especial de homens -Renan, Pasteur, Taine, Berthelot,
Coppée, Bonnat, Falguières, Gounot, Massenet - que pela
incessante produção do seu cérebro convertem a banal cidade que
habitam num centro de soberano ensino.
Se as Origens do Cristianismo, o Fausto, as telas de Bonnat, os
mármores de Falguières, nos viessem de além dos mares, da nova e
monumental Chicago - para Chicago, e não para Paris, se
voltariam, como as plantas para o Sol, os espíritos e os
corações da Terra.
Se uma nação, portanto, só tem a superioridade porque tem
pensamento, todo aquele que venha revelar na nossa pátria um
novo homem de original pensar concorre patrioticamente para lhe
aumentar a única grandeza que a tornará respeitada, a única
beleza que a tornará amada; - e é como quem aos seus templos
juntasse mais um sacrário ou sobre as suas muralhas erguesse
mais um castelo.
Eça de Queirós, in 'A Correspondência de Fradique Mendes'