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PALAVRA DE EDITORA
MAGALI ARCE
Diretora Geral-www.diferenciado.com.br
Jornal O Diferenciado
CNPJ:11.590.230/0001-74
Saudemos a primavera-efêmera
A primavera chegará, mesmo que ninguém mais
saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim
para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras;
e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda
circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a
primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por
dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e
arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de
nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e
já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes
novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de
sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se
pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não
se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e
deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores,
alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio
de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas
intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre
os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com
vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores,
e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo
que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita
para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim.
Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no
momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem,
deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros
cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem
não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e
amou.
Enquanto há primavera, esta primavera
natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos,
que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que
andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda
conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo
tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando
pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos
brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do
perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita
multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas,
para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente,
ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a
primavera-efêmera.
Texto extraído do livro "Cecília Meireles -
Obra em Prosa.
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